Gypsy: 1ª Temporada - Crítica com Spoilers


Gypsy é uma série de suspense psicológico absolutamente envolvente e cativante. Quando fiquei sabendo qual seria a trama já fiquei interessada. A história é muito original e inteligente. Como ninguém havia pensado antes em fazer uma série sobre terapeutas que possuem desvios de comportamento? É genial e muito intrigante.

Jean Holloway é uma mulher que aparenta ter tudo na vida. Bem sucedida profissionalmente, casada há anos com o também bem sucedido advogado Michael, e mãe de uma menina linda, Dolly. Só que a série nos confirma que nem tudo é como aparenta ser.

Jean, na verdade, é uma mulher muito frustrada, infeliz e insegura. Frustrada e infeliz por não viver a vida que sempre sonhou para si e por ter caído no padrão de vida das mulheres de sua faixa etária, sendo que ela sempre desejou viver aventuras e experimentar o mundo, digamos assim. Insegura porque não alcançou suas metas de vida e, portanto, vive tentando se afirmar para si mesma e para os outros. Ela se sente presa na vida que assumiu e o único jeito que possui de escapar daquela realidade é vivendo outra realidade, uma realidade ideal em que ela pode escolher ser exatamente quem ela sempre quis.


A forma mais fácil e interessante que Jean encontrou de fugir de seu próprio mundo é adentrando no mundo de seus pacientes. Essa também foi a forma que Jean encontrou de satisfazer sua obsessão por seus próprios pacientes, mantendo-os sempre por perto e sob seu controle.

No último episódio da primeira temporada ela até menciona que quando alguém sente necessidade de ter poder sobre outras pessoas é porque, na verdade, essa é a maneira que ela encontrou de exercer poder sobre si mesma.

A série nos mostra que Jean sofre de ansiedade em silêncio. Ela se esforça para demonstrar que é muito calma e estabilizada. No entanto, seu problema de ansiedade é tão forte que ela se automedica com frequência, chegando até mesmo a furtar remédios da casa de uma colega de escola de sua filha. O que não foi mostrado é se essa ansiedade é anterior ao início da vida múltipla da psicóloga ou se coincide com tal início.


Na série também é revelado por Michael que Jean tem dificuldade em se comprometer, pois ela tem medo de perder sua liberdade e de se perder. E ela mesma declara, em um dos episódios, que não gosta de ficar parada em um lugar só, ela gosta de vagar por aí e experimentar coisas. Por isso o nome da série é Gypsy, que, traduzido para o Português, significa cigana. Jean é uma cigana porque tem dificuldade em estabelecer raízes, em ficar presa a alguma coisa por muito tempo.

Numa de suas aventuras pelas vidas alheias, Jean conhece Sidney, a ex-namorada de seu paciente Sam. É possível perceber desde o início que a psicóloga fica fascinada pela garota, mais precisamente por causa de tudo o que ela ainda significa para seu paciente. A terapeuta, então, inicia um caso com a tal garota, apresentando-se como Diane Hart, uma jornalista que é solteira, sem filhos, e vive uma vida totalmente não planejada. Ou seja, uma realidade que Jean adoraria viver.

Mas o que é curioso é que Jean de fato ama sua família. Sim, ela é apaixonada pelo marido Michael e louca pela filha Dolly. Jean não mente e trai por falta de amor à sua família, aparentemente, porém justamente por não conseguir se comprometer totalmente com eles. Enquanto isso, Michael, mesmo após sofrer assédio de sua secretária, se mantém fiel à sua esposa. A série fez uma inversão de estereótipos muito curiosa. Geralmente, o homem é que se apresenta como aquele que tem dificuldades em se comprometer e se manter fiel. Nesta série, é o contrário.


Outra coisa interessante é o fato de Dolly, filha de Jean, ter também um distúrbio psicológico. A menina possui TDAH (Transtorno de Défict de Atenção com Hiperatividade), o que, na série, é explicado que contribui para a disforia de gênero que ela apresenta (Dolly não se enxerga como uma menina, mas sim como um menino). Jean, a princípio, reluta em aceitar as atitudes masculinas da garota, com medo de que ela sofra no futuro pelo preconceito alheio. Mas depois ela se mostra totalmente aberta às preferências da filha e até mesmo incentiva. Acredito que tenha sido um gesto empático da terapeuta, que, talvez àquela altura, já tivesse reconhecido como é ruim ter que esconder quem você realmente é, seus verdadeiros gostos.

Descobrimos também ao longo da temporada que Jean sempre teve problemas de envolvimento pessoal com seus pacientes. Inclusive é citada a história de uma ex-paciente de Jean, Melissa, que terminou internada após alegar que a terapeuta ultrapassou os limites profissionais com ela.

A questão é que Jean não consegue respeitar a fronteira que existe entre envolvimento profissional e pessoal com seus pacientes. Quando eles entram em seu consultório e começam a compartilhar coisas pessoais com ela, a psicóloga se sente dona de suas vidas, sentindo-se, inclusive, no direito de participar ativamente de tais vidas, tornando-se personagem delas, e de manipulá-las a seu bel prazer. Tudo pelo poder, aparentemente.


No final da temporada, vemos que Jean começa a ser encurralada por todos os segredos que mantém e todas as mentiras que contou. Michael descobre algumas delas e já é o suficiente para perceber que não conhece sua própria esposa. Jean teme perdê-lo, e até se dispõe a abrir mão de tudo para não ter que viver sem ele, mas não acredito que ela consiga fazer isso, pelo menos não por enquanto.

No último episódio dessa primeira temporada, também vemos Sidney finalmente descobrindo quem realmente é aquela mulher por quem ela está totalmente envolvida (ou apaixonada). E, ao contrário do que eu imaginava, a barista/cantora parece não se importar nem um pouco com o fato de Jean ter mentido sobre exatamente tudo, inclusive seu próprio nome e sua situação familiar.


Enfim, Gypsy é uma série incrível e altamente viciante. Recomendo muito. O elenco é maravilhoso, o roteiro é sensacional, o clima de suspense é muito bom, e o ritmo dela, embora possa ser considerado lento para algumas pessoas, para mim é perfeito para a história. Afinal, é preciso tempo para entender o que realmente se passa na cabeça das pessoas.  E tudo o que se passa na cabeça de Jean Holloway eu tenho a sensação de que demoraremos algumas temporadas para descobrir.




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