O Mínimo Para Viver - Crítica com Spoilers
Um tema extremamente
relevante e, aparentemente, não muito comentado mais hoje em dia, é trazido à
tona em O Mínimo Para Viver (To The Bone), o mais novo filme original da
Netflix, dirigido por Marti Noxon. Trata-se de um filme de drama que aborda transtornos
alimentares, com ênfase na anorexia.
Eu me lembro de que a
anorexia, a bulimia e outros distúrbios alimentares eram assuntos bem debatidos
quando eu era adolescente, tanto na escola, quanto fora dela. No entanto, até
então eu nunca tinha visto um filme que tivesse um distúrbio alimentar como
tema central. Até cheguei a pesquisar no Google e vi que de fato há alguns
filmes falando sobre isso, mas ou são antigos (o mais recente é de 2008) ou são
documentários.
Bom, falando sobre o filme, eu achei a trama e o roteiro muito bons. Ao assistir ao filme, você consegue realmente entender o que é um transtorno alimentar como a anorexia, quão grave ele é e o quanto é difícil vencê-lo. A personagem Ellen (Lily Collins) sabe que provavelmente morrerá muito em breve se não voltar a comer logo, mas, ainda assim, ela é incapaz de engolir a comida. O filme te toca tanto que você começa a torcer, assim como outros personagens, para que Ellen coma, mesmo que só um pouco.
Aliás, devo dizer que esse
foi, sem dúvidas, o melhor papel da Lily Collins até hoje. A atriz está
sensacional como a jovem anoréxica de 20 anos que é tão obcecada em ficar magra
que conta as calorias de cada alimento que consome, praticamente não come nada
e ainda faz exercícios para perder peso. Lily, que, inclusive já passou por um
problema parecido quando era mais jovem, perdeu muito peso para viver a
personagem, o que demonstra o quanto se entregou para esse papel. É possível,
literalmente, ver os ossos bem desenhados sob a pele dela. A Netflix colocou um
aviso, que aparece um pouco antes de o filme começar, dizendo que algumas cenas
poderiam deixar certas pessoas desconfortáveis. Bom, eu fui uma dessas pessoas.
Ver o estado cadavérico da personagem principal é realmente perturbador.
Achei interessante a
dinâmica da família de Ellen ao tratar da doença dela. Fica claro, assim como a
própria personagem menciona, que ela é encarada como um problema, não como uma
pessoa, e, como tal, é “jogada” o tempo inteiro de um para outro. É como se
ninguém quisesse assumir a responsabilidade de tomar conta dela e correr o
risco de ser responsabilizado caso o pior acontecesse sob sua vigilância.
Aliás, nesse ponto, achei a madrasta de Ellen, Susan (Carrie Preston), muito
mais comprometida com sua recuperação do que sua própria mãe, Judy (Lili
Taylor), que fugiu do “problema” o máximo que pôde.
Também gostei do personagem
interpretado por Keanu Reeves, o Dr. William Beckham. Ele se mostrou muito objetivo,
realista e pragmático, o que, num caso como o de Ellen, é importante. Ela não
precisava de alguém que passasse a mão em sua cabeça e dissesse que a salvaria de tudo, mas sim de alguém que lhe mostrasse que aquela era uma luta dela, que só ela poderia vencer, e se realmente desejasse isso.
Foi muito legal também ver a
rotina e os métodos da Limiar, uma casa de recuperação para pessoas que sofrem
de transtornos alimentares. A casa possui um núcleo próprio, formado por
pessoas que sofrem de transtornos alimentares de todos os tipos, como anorexia,
bulimia e até mesmo compulsão alimentar. É curioso ver o quanto é difícil para
aquelas pessoas vencer um problema que muitas pessoas ainda enxergam como algo
bobo, uma “frescura”. Inclusive, tem uma cena bem chocante que se passa dentro
dessa casa, que é a cena em que uma das pacientes, a qual estava grávida, perde
seu bebê após forçar vômito – ela era bulímica. A personagem alegou que pensava
não ter mais risco após completar doze semanas de gravidez. Foi muito triste
mesmo, não só pela perda do bebê, mas por ver que tal paciente, que
aparentemente estava se recuperando, no fundo só esperava chegar ao terceiro
mês de gravidez para retomar seu vício.
O casal (quase) formado por
Ellen e Luke (Alex Sharp), outro paciente da Limiar, não convenceu nem a
personagem nem a mim. Eles até ficavam bem juntos, mas a relação convencia mais
como sendo de apenas amizade. Não havia nenhum clima romântico ou algo que
indicasse isso. Então, quando Luke beijou Ellen, eu fiquei com a mesma sensação
que ela.
O final do filme foi bem
diferente do que eu esperava. O normal seria que o filme mostrasse a Ellen se
recuperando, vencendo a anorexia. Mas não; o filme a mostra finalmente
decidindo por si própria, após quase morrer, que ela queria se tratar e vencer
seu transtorno, exatamente porque estava viva e queria continuar vivendo. Esse
final foi muito maduro, na minha opinião. Acredito que quis passar a mensagem
de que a decisão consciente de se tratar já é uma vitória para pessoas com
problemas como o da personagem principal.
Enfim, é um filme que recomendo a todos, pois presta um verdadeiro serviço público de conscientização à sociedade. Gosto muito desses filmes que, além de nos fazerem refletir sobre seus temas, ainda nos ensinam muitas coisas importantes. Além disso, o elenco é bom, com destaque para Lily Collins, o roteiro é ótimo, o filme é muito bem dirigido e a fotografia é muito bonita. Vale a pena ver, seja para acompanhar a trajetória da personagem principal ou para aprender mais sobre transtornos alimentares.